Carta de Salvador – XXII Encontro da RBTR, 2019
Ditadura nunca mais!
A Rede Brasileira de Teatro de Rua - RBTR, criada em março de 2007, em Salvador/BA,
é um espaço físico e virtual de organização horizontal, sem hierarquia, democrático e inclusivo.
Todos os grupos de teatro, artistas-trabalhadoras e trabalhadores, pesquisadoras e
pesquisadores envolvidas com o fazer artístico da rua, pertencentes à RBTR podem e devem
ser suas articuladoras e seus articuladores para, assim, ampliar e capilarizar, cada vez mais,
reflexões e pensamentos, com encontros, movimentos e ações em suas localidades.
O intercâmbio da RBTR ocorre de forma presencial e virtual, entretanto toda equalquer deliberação é feita nos encontros presenciais, realizados, ao menos, uma vez ao ano,
de forma rotativa de maneira a contemplar todas as regiões brasileiras, valorizando as
necessidades mais urgentes do país. As articuladoras e os articuladores de todos os Estados,
bem como os coletivos regionais, deverão se organizar para garantir a participação nos
encontros, além da continuidade dos trabalhos iniciados nos Grupos de Trabalhos (GT´s), a
saber: 1) Política e Ações estratégicas; 2) Pesquisa; 3) Colaboração artística; 4) Comunicação;
5) Gênero.
A Rede Brasileira de Teatro de Rua, reunida de 26 a 31 de março de 2019, na cidade de
Salvador/BA, em seu XXII Encontro, com a presença de 125 articuladoras e articuladores de 16
estados brasileiros e do Distrito Federal, reafirma sua missão de lutar:
· Por um mundo socialmente justo e igualitário que respeite as diversidades;
· Por políticas públicas culturais com investimento direto do Estado por meio de fundos
públicos de cultura, garantindo assim o direito à produção e ao acesso aos bens
culturais a todas as brasileiras e brasileiros;
· Por políticas transversais que viabilizem o diálogo do Teatro de Rua com os campos da
Educação, Saúde, Ação Social, Segurança e Direitos Humanos;
· Pelo livre uso dos espaços públicos abertos, garantindo a prática artística e
respeitando as especificidades dos diversos segmentos das artes cênicas, em acordo
com o artigo 5º da Constituição Brasileira e com o artigo 3º do Decreto-Lei Federal
4.657/1942; e
· Contribuir para o desenvolvimento das Artes Públicas, possibilitando as trocas de
experiências artísticas e políticas entre as articuladoras e os articuladores da rede;
A RBTR expressa suas femenagens a:
∞ Selma Bustamante (in memorian), palhaça Kandura, fundadora do Grupo Baião de
Dois, importante artista e arte/educadora, atuante nas cidades de São Paulo/SP e Manaus/AM,
entre outros locais, ao longo de quase 40 anos de trajetória;
∞Tainã Andrade, artivista, Mestra de Teatro de Rua e Cultura Popular, fundadora do
Grupo Teatral Filhos da Rua, idealizadora do Espaço Cultural Tupinambá e militante histórica
do Movimento de Teatro de Rua da Bahia (MTR/BA), enaltecendo a sua história de luta e
resistência. O concreto não apagará o seu legado!
A RBTR demarca o espaço de presença, ocupação e representatividade artística e
política da população trans e travesti no decorrer do encontro e nas articulações, qualificando
o debate do teatro de rua.
Demarcamos também a emergência e importância histórica de grupos de mulheres
realizados nos Encontros nacionais da RBTR em Campo Grande, Presidente Prudente e
Parelheiros e no Encontro Estadual de São Paulo, em Guarulhos, que possibilitaram debates
interseccionais relacionados às questões raciais, étnicas e de classe, bem como a análise sobre
as expressões e efeitos de masculinidades tóxicas. Estas composições se somaram e
implicaram no primeiro GT de Gênero, realizado no Encontro da RBTR de Salvador, bem como
na premissa deste debate como vital e fundante dos próximos encontros.
Nós, articuladoras e os articuladores da Rede Brasileira de Teatro de Rua, com o
objetivo de construir políticas públicas culturais mais democráticas e inclusivas, defendemos:
· A criação de lei que fomente o Teatro de Grupo e que a mesma assegure a
participação do teatro de rua e contemple: produção, circulação, formação, trabalho
continuado, registro e memória, manutenção, pesquisa, intercâmbio, vivência,
mostras e encontros de teatro, levando em consideração as especificidades de cada
região (ex: custo amazônico);
· O debate e a criação junto ao poder público de marcos legais para a plena utilização
dos espaços públicos abertos, com proteção e segurança, extinguindo todas e
quaisquer cobranças de taxas, bem como a excessiva burocracia para as apresentações
de artistas de rua;
· A ocupação de prédios passíveis de serem considerados de utilidade pública e que não
cumprem sua função social, transformando-os em sedes de grupos que desenvolvam
ações continuadas;
· Defendemos a representatividade do teatro de rua nos colegiados setoriais e
conselhos das instâncias Municipais e Estaduais e a reativação dos conselhos que não
tiveram continuidade nos últimos anos;
· A criação de uma legislação específica para a cultura, já que a Lei federal 8.666/93 não
contempla as especificidades da área cultural;
· Que sejam incluídos dentro das Universidades, instituições de ensino e escolas
técnicas, componentes curriculares e projetos de pesquisa e extensão referentes ao
Teatro de Rua, às Culturas Populares Brasileiras e ao teatro da América Latina;
Denunciamos e repudiamos:
· O desmonte das políticas públicas de cultura em âmbito federal, como os editais da
Funarte, entre eles o Myriam Muniz (teatro), Klaus Viana (dança), Carequinha (circo) e
Artes Cênicas na Rua (circo, dança e teatro) e o programa Pontos de Cultura, que
foram interrompidos em 2017.
· O fim das reuniões do Colegiado Setorial de Teatro, ligado ao Conselho Nacional de
Política Cultural (CNPC), cujas reuniões deixaram de acontecer no ano de 2017.
Repudiamos:
· Toda e qualquer forma de opressão, perseguição e/ou repressão às artistas e aos
artistas de rua e a proibição de apresentações artísticas em espaços públicos;
· Todo e qualquer ataque, por parte do poder público e/ou sociedade civil, contra sedes
de coletivos e ocupações artístico-culturais.
Frente a um processo histórico, que prima pela higienização e pela criminalização dos
movimentos sociais, a RBTR apoia e defende a luta do Movimento de Teatro de Rua da Bahia
(MTR/BA), que reivindica o direito à ocupação cultural das cidades.
Conforme os acompanhamentos tirados em plenária, frutos do debate realizado no
XXII Encontro da RBTR, com a participação do Professor Glaucio Machado Santos, vice-diretor
da Escola de Teatro da UFBA, a RBTR e o MTR/BA defendem que o Teatro de Rua seja
institucionalizado nos currículos dos cursos de Teatro da UFBA, de forma articulada aos
projetos de pesquisa e extensão da citada universidade.
A RBTR acompanhará o diálogo do Movimento de Teatro de Rua da Bahia junto às
instâncias do poder público do Estado a fim de reativar o grupo de trabalho para a
regulamentação da Lei Estadual nº 8.638/2003, que autoriza a criação da Casa do Teatro de
Rua da Bahia.
A RBTR e o MTR/BA reivindicam a abertura de debate acerca da elaboração da Lei
Municipal de Artistas de Rua de Salvador.
A RBTR apoia e defende a luta do MTR/BA na formulação de políticas culturais na área
do teatro e do patrimônio, compreendendo a importância do reconhecimento, por parte do
poder público, do Teatro de Rua enquanto Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial.
A RBTR considera fundamental a abertura da sede do Movimento de Teatro de Rua
da Bahia para todes Artistas de Rua, independentes ou vinculades a coletivos.
O Teatro de Rua é um símbolo de resistência artística, comunicador e gerador de
sentido, além de ser propositor de novas razões no uso dos espaços públicos abertos. Assim,
reafirmamos o dia 27 de junho como dia nacional da Tomada do Brasil pelas Artes Públicas,
em memória de Lua Barbosa, assassinada pela polícia militar neste mesmo dia do ano de 2014,
em Presidente Prudente/SP. Tomaremos as cidades, ocuparemos seus espaços públicos,
cantaremos pela arte, saúde e educação públicas, pelo direito à moradia e por um país que
respeite a dimensão da convivência pública e pacífica.
Foi indicada em plenária final a cidade de Serra Talhada/PE, para o XXIII Encontro da
RBTR, a ser realizado no primeiro semestre de 2020 e uma cidade na Região Metropolitana de
Porto Alegre/RS para o XXIV Encontro, a ser realizado no segundo semestre de 2020 ou no
primeiro semestre de 2021.
Por fim, reiterando, para que não haja dúvida: Ditadura nunca Mais!
31 de março de 2019
Salvador, Bahia, Rede Brasileira de Teatro de Rua